11 de out. de 2009

Tião Rocha

Um exemplo do verdadeiro EDUCADOR, que mesmo em uma comunidade tão pobre e sem recursos financeiros, encontra na família e na natureza recursos para educar as crianças. Exemplo assim, me faz acreditar na vida, num mundo melhor.


Em Araçuaí, cada um ensina o que faz melhor



"Para educar um menino é preciso toda uma aldeia. Tião Rocha aprendeu isso numa viagem a Moçambique, na África, e trouxe a lição para o Brasil. Foi com o apoio das comunidades de Araçuaí, em Minas Gerais, que ele começou um trabalho de educação na zona rural, usando os talentos e a sabedoria do povo da roça.

A ponte sobre o rio pode deixar inseguro quem chega pela primeira vez na comunidade São João Setúbal, mas o menino sabido passa por ela montado na bicicleta, sem cair, nem titubear.

Na casa da Dona Marisete, a brincadeira já começou. A escola fica debaixo da mangueira e o que parece uma aula de culinária é aula de alfabetização.

“A erva doce para dar um gostinho melhor, um cheiro”, diz.

‘Em 2004, em Araçuaí, 96,7% das crianças que tinham estudado até a 8ª série estavam numa situação chamada insuficiente. Criamos um pequeno exército de mães educadoras, agentes comunitárias de educação, que tinham que usar o que sabiam para salvar do analfabetismo cada criança. Então, uma senhora falou: ‘A única coisa que eu sei fazer é biscoito. Os meninos podem aprender fazendo isso?’ E eu falei: ‘Podem, aprendem fácil’. Na hora em que eu estava terminando a conversa, eu lembrei de perguntar o nome e ela disse: ‘O nome é biscoito escrevido’ e eu respondi: ‘Se o nome já é esse, a gente pode escrever qualquer coisa’”, conta Tião.

A aula de biscoito “escrevido” faz sucesso. A mãe educadora prepara a massa, que fica logo pronta. Depois, o trabalho é com a criançada. Com a massa, cada um pode escrever o que quiser: uma letra, um número, o próprio nome.

“A gente escreve com o biscoito e a letra da gente vai ficando mais bonita”, conta Angélica Moreira Câmara, de dez anos.

Angélica leva a forma para o forno, de onde não param de sair nomes e letras.

“Criança que não sabia nem o alfabeto aprendeu facinho. Eles ficam alegres de fazer através do biscoito que eles vão comer. Eles aprendem e dá para sentir que vai encher a barriguinha também”, diz a voluntária Hilda Aparecida Soares Nunes.

A barriguinha, pelo jeito, enche bastante. Luana já comeu quase todo o nome dela.

“Estão faltando as letras L, N e A. O L era o que estava mais gostoso”, diz.

A alegria que se vê no rosto das crianças é espelho do entusiasmo das mães cuidadoras. Mulheres da comunidade que ao abrirem espaço nas suas vidas pra ajudar na formação das crianças acabaram virando mães de todos, mães coletivas.

Uma das mães conversa com as crianças: “Quem gostou da historinha? Qual o nome da bezerrinha?” Essa é a roda da contação de histórias. Faz parte do projeto Sementinha, no qual se trabalha com as crianças de quatro a seis anos.

“A melhor coisa que tem é trabalhar com crianças. A gente chega em casa em paz, com a consciência mais leve. É muito bom”, diz Virlene Gomes Coelho.

“Eu tenho uma alegria danada. Eu sinto falta, porque minha mãe não contava e agora eu posso pegar um livro, sei ler, graças a Deus, e posso contar para as crianças e para os meus filhos. Eu tenho quatro filhos”, diz Valdenice Maria Alves.

A capacidade de leitura de Valdenice não ficou só para ela e seus filhos. É assim que funciona, as sabedorias individuais são valorizadas e repassadas pra comunidade.

A moradora de uma casa verde faz biofertilizante. Na casa branca, tem uma especialista em xarope para tosse e a dona de outra casa faz uma ótima farinha láctea, mas nenhuma delas sequer conhecia o talento uma da outra. É por isso que foram criadas as oficinas comunitárias, para a troca de experiências.

Na aula de sabão caseiro, as mulheres se divertem enquanto aprendem. “A gente economiza, usa as ervas que encontramos no quintal, não compramos nada”, conta uma delas.

Bastou um impulso, uma regra para as ideias florescerem. No sertão é assim.

Durante oito, nove meses no ano, a vegetação fica assim: das árvores resta apenas o esqueleto e parece até que está tudo morto. Porém, nas primeiras chuvas, tudo vai voltar a ficar verde.

Enquanto isso não acontece, é o cinza que domina a paisagem. O verde fica só nas margens dos rios. Na beira do Jequitinhonha, Tião se refresca e fala sobre o projeto Caminho das Águas.

“Nós tínhamos o projeto de construir uma cidade educativa. Aí pensamos mais amplo: vamos construir uma cidade sustentável. Nós queríamos fazer o caminho das águas, não perder uma gota de água. Recuperar as nascentes, os rios, cuidar das matas ciliares e, também, captar o máximo que pudéssemos da água da chuva”, conta Tião.

Então, fomos ao encontro das águas do vale. Na comunidade Alfredo Graça fica o rio Gravatá. De um lado, um grupo planta mudas para recuperar a mata ciliar, do outro, sítios com a cerca quase dentro da água, aproveitando a terra ao máximo.

“As pessoas precisam acreditar que algumas atitudes, junto com as queimadas, estão prejudicando essa água que garante a sobrevivência delas. A gente está aqui para contribuir com essa comunidade, para que esse rio não seque”, diz Eliane Oliveira, coordenadora do projeto Araçuaí Sustentável. Hoje, ela acompanha o grupo em mais um trabalho.

Unidas, as pessoas compraram uma terrinha e, agora, fazem no morro valas de infiltração, terraços construídos em curvas de nível para retenção de água da chuva.

“Eles nunca tinham ouvido falar nisso e acharam que a gente era um bando de loucos, de vir para o morro, que para eles era uma terra morta. Depois, a gente fez a primeira experiência. Fizemos os canais e na hora que deu a primeira chuva, verteu aquela água. Quando eles viram aquela água, viram que isso é possível de dar certo”, conta Eliane.

Hoje, as valas já estão todas prontas e o pessoal coloca matéria orgânica.

“São 21 famílias, cada uma vai ocupar uma vala e cada uma sabe o que vai plantar em cada vala”, diz a agricultora Maria Emília Alves.

O agricultor Ronaldo de Souza, 32 anos, já saiu do Jequitinhonha muitas vezes pra tentar a vida fora. Foi sozinho, deixando pra trás a mulher, com quem teve quatro filhos. No corte da cana, ganhou uma cicatriz profunda.

“Quando as duas meninas nasceram, eu não estava aqui. Eu cheguei, fiquei quatro meses e voltei para o corte de cana. Quando eu voltei, eu falei que era o pai dela, ela correu de mim, porque não me reconheceu. Então, isso para mim eu nunca esqueci. Eu nunca falei isso pra ninguém”, conta.

As crianças hoje estão maiorzinhas. Natanael tem nove anos, Ismael, seis, Carolina, quatro, e Karine, três. Ronaldo se agarra na esperança de mudança e na filha que o faz querer mudar."

( Reportagem tirada do Globo Rural de 11 de outubro de 2009 )

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