15 de out. de 2009
11 de out. de 2009
Tião Rocha
Uma sala de aula à sombra de cada árvore
Você já imaginou se, à sombra de cada árvore, existisse uma sala de aula? Pois esse é o sonho do educador Tião Rocha, personagem de uma história que o Globo Rural foi conferir.
Há muitos anos, Tião se perguntou se era possível criar uma escola ao ar livre, debaixo de uma mangueira. A apresentadora Helen Martins foi conhecer a resposta dessa dúvida em Minas Gerais, junto com o repórter cinematográfico Jorge dos Santos.
Noite de cinema na roça. Na tela: Tapete Vermelho, a história de uma família que sai de casa na zona rural com um sonho, ir à cidade ver um filme de Mazzaropi. Achar um cinema não foi nada fácil.
Em outro pequeno povoado, o cinema é no meio da rua, de graça e tem até pipoca. Essa é uma das novidades que se escondem nas pregas das montanhas do Vale do Jequitinhonha. É lá que fica Araçuaí, município que tem escola espalhada por todo canto, graças ao educador Tião Rocha.
“Qualquer lugar propício para criar um ambiente de aprendizagem, pode ser um espaço escolar, pode ser uma escola. Essa é a pergunta que eu me fiz 25 anos atrás, se era possível fazer educação sem escola ou se era possível fazer uma boa escola debaixo de um pé de manga”, diz.
Com a única certeza da escola que não queria criar, Tião buscou ajuda e formou rodas para discutira a ideia com os moradores da comunidade. Assim, o sonho de Tião virou o sonho de muitos: criar uma sala de aula embaixo de cada mangueira da zona rural. Aos poucos, a escola ao ar livre se transformou em realidade.
“Em uma reunião da comunidade, uma senhora disse: ‘Tião, essa escola é diferente da outra, porque essa a gente vê. A outra a gente vê o muro e o dia em que eu entro lá é quando não tem aula. Eu nunca vi meu menino aprendendo’. A comadre dela comentou: ‘É mesmo, ontem essa escola passou na minha porta três vezes’. Não é um bando de meninos que andam, é uma escola que anda”, conta.
Hoje, Tião tem um espaço dentro do maior colégio particular de Araçuaí, o Nazaré: é o projeto Ser Criança. Lá, tem roda pra todo lado. Tem roda de cantoria, roda para fazer boneca de pano, para pintar cartões com tintas tiradas da natureza.
Durante nossa visita, Tião rodou pra lá e pra cá, sempre se encantando com as crianças.
“É uma alegria, isso alimenta”, diz.
Todas essas crianças frequentam o ensino tradicional e, no outro período do dia, vão ao projeto para brincar. Brincar e aprender.
Jogo de damas muita gente conhece, mas o dessa escola é diferente: é misturado com a matemática. É a damática.
“Por exemplo, tem o 3+3. Se você errar, você não pode comer a pecinha”, conta a aluna Tamires Fernandes Oliveira.
“Eu acho que pelo fato de ela estar na 6ª série, em uma fase mais avançada que a minha, ela pode até ganhar de mim, mas nós temos a mesma capacidade no jogo”, diz Lucas Viana, adversário de Tamires na damática.
“Eu acho esta escola bem melhor, na outra a gente aprende o essencial. Aqui a gente aprende o essencial e mais”, diz Lucas.
No início do projeto Ser Criança, nem o essencial era aprendido na escola tradicional. Tião conta que o índice de reprovação era de 100%. Do desafio de melhorar a aprendizagem sem fazer reforço escolar, surgiu a damática.
“Havia uma garoto chamado Denisson, de 11 anos, que não sabia nada das quatro operações. Ele não sabia fazer contas, mas sabia jogar damas. Um dia, eu peguei um tabuleiro, enchemos com números, de forma aleatória, colocamos sinais de mais e de menos e colocamos uma regra: só pode jogar e fazer dama quem fizer uma conta. Em um instantinho, não sei o que aconteceu na cabeça do Denisson que ele aprendeu a fazer as contas e continuou jogando damas e ganhando”, conta Tião.
Vieram muitos outros jogos. No bornal, estão reunidos aqueles já avaliados nas escolas formais e aprovados.
“Nós temos, hoje, 80 jogos dentro do bornal. Jogos de português, matemática, história, ciências, geografia. Isso aqui virou um cassino, é uma jogatina danada. E todas têm um valor, o valor do aprendizado”, diz o educador.
Aos 15 anos, os jovens, sem trocadilho, têm que deixar o Ser Criança. Como não querem parar de aprender, criaram uma cooperativa que faz artesanato em madeira, metal, materiais recicláveis. A brincadeira é desenvolver novos produtos e, ao mesmo tempo, garantir um salário.
Renda é assunto sério no Vale do Jequitinhonha, uma região com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia renda, educação e expectativa de vida, abaixo da média mineira e nacional.
O Jequitinhonha sempre foi conhecido como o vale da miséria, o vale da pobreza, mas quando o educador Tião Rocha chegou à região, há cerca de dez anos, ele levou uma ideia diferente: procurar por pontos luminosos. Pessoas que, com sua sabedoria e sua força de vontade, pudessem contribuir para modificar a comunidade.
“O IDH mede o lado vazio do copo, mede as carências. Não interessa olhar a carência. Isso já foi medido, estudado, analisado. Está cheio de coisa olhando para o lado vazio, o lado obscuro. Eu quero mexer com o lado cheio do copo. Eu quero entender o IPDH: o Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano, que é a capacidade que as pessoas têm de acolhimento, de convivência, de aprendizagem e de oportunidade. A gente tem que ter a capacidade de só olhar pelo lado luminoso, para ver o brilho das pessoas. Se você junta um monte de pontos luminosos, você faz um feixe de luz, um holofote, sai energia, sai calor, sai transformação”, diz.
Para conhecer melhor Tião Rocha, nós fomos até Belo Horizonte. É na capital mineira que fica uma Organização Não Governamental (ONG) fundada por ele, o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), com sede na casa onde Tião nasceu e cresceu.
Uma foto que mostra o Tião ainda menino, parece ter sido tirada na roça.
“A minha casa era muito grande, um terreno enorme. Aqui a gente plantava café, milho, tinha muita fruta. Os meus pais saíram da roça, mas a roça não saiu deles”, diz.
Tião se formou em antropologia e foi professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Há quase 30 anos, deixou o cargo e criou o CPCD.
“Nos primeiros dez anos do CPCD, todos os nossos recursos vinham de fora do Brasil, de instituições e fundações internacionais. Depois de 95, quando nós começamos a ser reconhecidos pelos prêmios, a gente começou a ter a visibilidade nacional e vários parceiros nacionais”, conta.
A inspiração para o trabalho de uma vida começou na escola, com um trauma no primeiro dia de estudante.
“Nós fomos recebidos pela professora, que nos levou para uma sala de leitura bem no fundo da escola, abriu um livro e começou a ler: ‘Era uma vez, num país muito distante, havia um rei e uma rainha’. Eu levantei a mão e falei: ‘Professora, eu tenho uma tia que é rainha’. Ela falou: ‘Fica quieto menino, isso é história da carochinha, isso não existe”. E era verdade, eu tinha uma tia que era rainha de verdade, a tia gorda, Rainha Perpétua do Congado. Não era de mentirinha, não era história da carochinha. Esse processo traumático também me ajudou a buscar não outra escola, mas outras tias rainhas, outras rainhas de outros meninos, de outras dinastias”, conta.
(Reportagem tirada do Globo Rural de 11 de outubro de 2009 )
Você já imaginou se, à sombra de cada árvore, existisse uma sala de aula? Pois esse é o sonho do educador Tião Rocha, personagem de uma história que o Globo Rural foi conferir.
Há muitos anos, Tião se perguntou se era possível criar uma escola ao ar livre, debaixo de uma mangueira. A apresentadora Helen Martins foi conhecer a resposta dessa dúvida em Minas Gerais, junto com o repórter cinematográfico Jorge dos Santos.
Noite de cinema na roça. Na tela: Tapete Vermelho, a história de uma família que sai de casa na zona rural com um sonho, ir à cidade ver um filme de Mazzaropi. Achar um cinema não foi nada fácil.
Em outro pequeno povoado, o cinema é no meio da rua, de graça e tem até pipoca. Essa é uma das novidades que se escondem nas pregas das montanhas do Vale do Jequitinhonha. É lá que fica Araçuaí, município que tem escola espalhada por todo canto, graças ao educador Tião Rocha.
“Qualquer lugar propício para criar um ambiente de aprendizagem, pode ser um espaço escolar, pode ser uma escola. Essa é a pergunta que eu me fiz 25 anos atrás, se era possível fazer educação sem escola ou se era possível fazer uma boa escola debaixo de um pé de manga”, diz.
Com a única certeza da escola que não queria criar, Tião buscou ajuda e formou rodas para discutira a ideia com os moradores da comunidade. Assim, o sonho de Tião virou o sonho de muitos: criar uma sala de aula embaixo de cada mangueira da zona rural. Aos poucos, a escola ao ar livre se transformou em realidade.
“Em uma reunião da comunidade, uma senhora disse: ‘Tião, essa escola é diferente da outra, porque essa a gente vê. A outra a gente vê o muro e o dia em que eu entro lá é quando não tem aula. Eu nunca vi meu menino aprendendo’. A comadre dela comentou: ‘É mesmo, ontem essa escola passou na minha porta três vezes’. Não é um bando de meninos que andam, é uma escola que anda”, conta.
Hoje, Tião tem um espaço dentro do maior colégio particular de Araçuaí, o Nazaré: é o projeto Ser Criança. Lá, tem roda pra todo lado. Tem roda de cantoria, roda para fazer boneca de pano, para pintar cartões com tintas tiradas da natureza.
Durante nossa visita, Tião rodou pra lá e pra cá, sempre se encantando com as crianças.
“É uma alegria, isso alimenta”, diz.
Todas essas crianças frequentam o ensino tradicional e, no outro período do dia, vão ao projeto para brincar. Brincar e aprender.
Jogo de damas muita gente conhece, mas o dessa escola é diferente: é misturado com a matemática. É a damática.
“Por exemplo, tem o 3+3. Se você errar, você não pode comer a pecinha”, conta a aluna Tamires Fernandes Oliveira.
“Eu acho que pelo fato de ela estar na 6ª série, em uma fase mais avançada que a minha, ela pode até ganhar de mim, mas nós temos a mesma capacidade no jogo”, diz Lucas Viana, adversário de Tamires na damática.
“Eu acho esta escola bem melhor, na outra a gente aprende o essencial. Aqui a gente aprende o essencial e mais”, diz Lucas.
No início do projeto Ser Criança, nem o essencial era aprendido na escola tradicional. Tião conta que o índice de reprovação era de 100%. Do desafio de melhorar a aprendizagem sem fazer reforço escolar, surgiu a damática.
“Havia uma garoto chamado Denisson, de 11 anos, que não sabia nada das quatro operações. Ele não sabia fazer contas, mas sabia jogar damas. Um dia, eu peguei um tabuleiro, enchemos com números, de forma aleatória, colocamos sinais de mais e de menos e colocamos uma regra: só pode jogar e fazer dama quem fizer uma conta. Em um instantinho, não sei o que aconteceu na cabeça do Denisson que ele aprendeu a fazer as contas e continuou jogando damas e ganhando”, conta Tião.
Vieram muitos outros jogos. No bornal, estão reunidos aqueles já avaliados nas escolas formais e aprovados.
“Nós temos, hoje, 80 jogos dentro do bornal. Jogos de português, matemática, história, ciências, geografia. Isso aqui virou um cassino, é uma jogatina danada. E todas têm um valor, o valor do aprendizado”, diz o educador.
Aos 15 anos, os jovens, sem trocadilho, têm que deixar o Ser Criança. Como não querem parar de aprender, criaram uma cooperativa que faz artesanato em madeira, metal, materiais recicláveis. A brincadeira é desenvolver novos produtos e, ao mesmo tempo, garantir um salário.
Renda é assunto sério no Vale do Jequitinhonha, uma região com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia renda, educação e expectativa de vida, abaixo da média mineira e nacional.
O Jequitinhonha sempre foi conhecido como o vale da miséria, o vale da pobreza, mas quando o educador Tião Rocha chegou à região, há cerca de dez anos, ele levou uma ideia diferente: procurar por pontos luminosos. Pessoas que, com sua sabedoria e sua força de vontade, pudessem contribuir para modificar a comunidade.
“O IDH mede o lado vazio do copo, mede as carências. Não interessa olhar a carência. Isso já foi medido, estudado, analisado. Está cheio de coisa olhando para o lado vazio, o lado obscuro. Eu quero mexer com o lado cheio do copo. Eu quero entender o IPDH: o Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano, que é a capacidade que as pessoas têm de acolhimento, de convivência, de aprendizagem e de oportunidade. A gente tem que ter a capacidade de só olhar pelo lado luminoso, para ver o brilho das pessoas. Se você junta um monte de pontos luminosos, você faz um feixe de luz, um holofote, sai energia, sai calor, sai transformação”, diz.
Para conhecer melhor Tião Rocha, nós fomos até Belo Horizonte. É na capital mineira que fica uma Organização Não Governamental (ONG) fundada por ele, o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), com sede na casa onde Tião nasceu e cresceu.
Uma foto que mostra o Tião ainda menino, parece ter sido tirada na roça.
“A minha casa era muito grande, um terreno enorme. Aqui a gente plantava café, milho, tinha muita fruta. Os meus pais saíram da roça, mas a roça não saiu deles”, diz.
Tião se formou em antropologia e foi professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Há quase 30 anos, deixou o cargo e criou o CPCD.
“Nos primeiros dez anos do CPCD, todos os nossos recursos vinham de fora do Brasil, de instituições e fundações internacionais. Depois de 95, quando nós começamos a ser reconhecidos pelos prêmios, a gente começou a ter a visibilidade nacional e vários parceiros nacionais”, conta.
A inspiração para o trabalho de uma vida começou na escola, com um trauma no primeiro dia de estudante.
“Nós fomos recebidos pela professora, que nos levou para uma sala de leitura bem no fundo da escola, abriu um livro e começou a ler: ‘Era uma vez, num país muito distante, havia um rei e uma rainha’. Eu levantei a mão e falei: ‘Professora, eu tenho uma tia que é rainha’. Ela falou: ‘Fica quieto menino, isso é história da carochinha, isso não existe”. E era verdade, eu tinha uma tia que era rainha de verdade, a tia gorda, Rainha Perpétua do Congado. Não era de mentirinha, não era história da carochinha. Esse processo traumático também me ajudou a buscar não outra escola, mas outras tias rainhas, outras rainhas de outros meninos, de outras dinastias”, conta.
(Reportagem tirada do Globo Rural de 11 de outubro de 2009 )
Tião Rocha
Um exemplo do verdadeiro EDUCADOR, que mesmo em uma comunidade tão pobre e sem recursos financeiros, encontra na família e na natureza recursos para educar as crianças. Exemplo assim, me faz acreditar na vida, num mundo melhor.
Em Araçuaí, cada um ensina o que faz melhor
"Para educar um menino é preciso toda uma aldeia. Tião Rocha aprendeu isso numa viagem a Moçambique, na África, e trouxe a lição para o Brasil. Foi com o apoio das comunidades de Araçuaí, em Minas Gerais, que ele começou um trabalho de educação na zona rural, usando os talentos e a sabedoria do povo da roça.
A ponte sobre o rio pode deixar inseguro quem chega pela primeira vez na comunidade São João Setúbal, mas o menino sabido passa por ela montado na bicicleta, sem cair, nem titubear.
Na casa da Dona Marisete, a brincadeira já começou. A escola fica debaixo da mangueira e o que parece uma aula de culinária é aula de alfabetização.
“A erva doce para dar um gostinho melhor, um cheiro”, diz.
‘Em 2004, em Araçuaí, 96,7% das crianças que tinham estudado até a 8ª série estavam numa situação chamada insuficiente. Criamos um pequeno exército de mães educadoras, agentes comunitárias de educação, que tinham que usar o que sabiam para salvar do analfabetismo cada criança. Então, uma senhora falou: ‘A única coisa que eu sei fazer é biscoito. Os meninos podem aprender fazendo isso?’ E eu falei: ‘Podem, aprendem fácil’. Na hora em que eu estava terminando a conversa, eu lembrei de perguntar o nome e ela disse: ‘O nome é biscoito escrevido’ e eu respondi: ‘Se o nome já é esse, a gente pode escrever qualquer coisa’”, conta Tião.
A aula de biscoito “escrevido” faz sucesso. A mãe educadora prepara a massa, que fica logo pronta. Depois, o trabalho é com a criançada. Com a massa, cada um pode escrever o que quiser: uma letra, um número, o próprio nome.
“A gente escreve com o biscoito e a letra da gente vai ficando mais bonita”, conta Angélica Moreira Câmara, de dez anos.
Angélica leva a forma para o forno, de onde não param de sair nomes e letras.
“Criança que não sabia nem o alfabeto aprendeu facinho. Eles ficam alegres de fazer através do biscoito que eles vão comer. Eles aprendem e dá para sentir que vai encher a barriguinha também”, diz a voluntária Hilda Aparecida Soares Nunes.
A barriguinha, pelo jeito, enche bastante. Luana já comeu quase todo o nome dela.
“Estão faltando as letras L, N e A. O L era o que estava mais gostoso”, diz.
A alegria que se vê no rosto das crianças é espelho do entusiasmo das mães cuidadoras. Mulheres da comunidade que ao abrirem espaço nas suas vidas pra ajudar na formação das crianças acabaram virando mães de todos, mães coletivas.
Uma das mães conversa com as crianças: “Quem gostou da historinha? Qual o nome da bezerrinha?” Essa é a roda da contação de histórias. Faz parte do projeto Sementinha, no qual se trabalha com as crianças de quatro a seis anos.
“A melhor coisa que tem é trabalhar com crianças. A gente chega em casa em paz, com a consciência mais leve. É muito bom”, diz Virlene Gomes Coelho.
“Eu tenho uma alegria danada. Eu sinto falta, porque minha mãe não contava e agora eu posso pegar um livro, sei ler, graças a Deus, e posso contar para as crianças e para os meus filhos. Eu tenho quatro filhos”, diz Valdenice Maria Alves.
A capacidade de leitura de Valdenice não ficou só para ela e seus filhos. É assim que funciona, as sabedorias individuais são valorizadas e repassadas pra comunidade.
A moradora de uma casa verde faz biofertilizante. Na casa branca, tem uma especialista em xarope para tosse e a dona de outra casa faz uma ótima farinha láctea, mas nenhuma delas sequer conhecia o talento uma da outra. É por isso que foram criadas as oficinas comunitárias, para a troca de experiências.
Na aula de sabão caseiro, as mulheres se divertem enquanto aprendem. “A gente economiza, usa as ervas que encontramos no quintal, não compramos nada”, conta uma delas.
Bastou um impulso, uma regra para as ideias florescerem. No sertão é assim.
Durante oito, nove meses no ano, a vegetação fica assim: das árvores resta apenas o esqueleto e parece até que está tudo morto. Porém, nas primeiras chuvas, tudo vai voltar a ficar verde.
Enquanto isso não acontece, é o cinza que domina a paisagem. O verde fica só nas margens dos rios. Na beira do Jequitinhonha, Tião se refresca e fala sobre o projeto Caminho das Águas.
“Nós tínhamos o projeto de construir uma cidade educativa. Aí pensamos mais amplo: vamos construir uma cidade sustentável. Nós queríamos fazer o caminho das águas, não perder uma gota de água. Recuperar as nascentes, os rios, cuidar das matas ciliares e, também, captar o máximo que pudéssemos da água da chuva”, conta Tião.
Então, fomos ao encontro das águas do vale. Na comunidade Alfredo Graça fica o rio Gravatá. De um lado, um grupo planta mudas para recuperar a mata ciliar, do outro, sítios com a cerca quase dentro da água, aproveitando a terra ao máximo.
“As pessoas precisam acreditar que algumas atitudes, junto com as queimadas, estão prejudicando essa água que garante a sobrevivência delas. A gente está aqui para contribuir com essa comunidade, para que esse rio não seque”, diz Eliane Oliveira, coordenadora do projeto Araçuaí Sustentável. Hoje, ela acompanha o grupo em mais um trabalho.
Unidas, as pessoas compraram uma terrinha e, agora, fazem no morro valas de infiltração, terraços construídos em curvas de nível para retenção de água da chuva.
“Eles nunca tinham ouvido falar nisso e acharam que a gente era um bando de loucos, de vir para o morro, que para eles era uma terra morta. Depois, a gente fez a primeira experiência. Fizemos os canais e na hora que deu a primeira chuva, verteu aquela água. Quando eles viram aquela água, viram que isso é possível de dar certo”, conta Eliane.
Hoje, as valas já estão todas prontas e o pessoal coloca matéria orgânica.
“São 21 famílias, cada uma vai ocupar uma vala e cada uma sabe o que vai plantar em cada vala”, diz a agricultora Maria Emília Alves.
O agricultor Ronaldo de Souza, 32 anos, já saiu do Jequitinhonha muitas vezes pra tentar a vida fora. Foi sozinho, deixando pra trás a mulher, com quem teve quatro filhos. No corte da cana, ganhou uma cicatriz profunda.
“Quando as duas meninas nasceram, eu não estava aqui. Eu cheguei, fiquei quatro meses e voltei para o corte de cana. Quando eu voltei, eu falei que era o pai dela, ela correu de mim, porque não me reconheceu. Então, isso para mim eu nunca esqueci. Eu nunca falei isso pra ninguém”, conta.
As crianças hoje estão maiorzinhas. Natanael tem nove anos, Ismael, seis, Carolina, quatro, e Karine, três. Ronaldo se agarra na esperança de mudança e na filha que o faz querer mudar."
( Reportagem tirada do Globo Rural de 11 de outubro de 2009 )
Em Araçuaí, cada um ensina o que faz melhor
"Para educar um menino é preciso toda uma aldeia. Tião Rocha aprendeu isso numa viagem a Moçambique, na África, e trouxe a lição para o Brasil. Foi com o apoio das comunidades de Araçuaí, em Minas Gerais, que ele começou um trabalho de educação na zona rural, usando os talentos e a sabedoria do povo da roça.
A ponte sobre o rio pode deixar inseguro quem chega pela primeira vez na comunidade São João Setúbal, mas o menino sabido passa por ela montado na bicicleta, sem cair, nem titubear.
Na casa da Dona Marisete, a brincadeira já começou. A escola fica debaixo da mangueira e o que parece uma aula de culinária é aula de alfabetização.
“A erva doce para dar um gostinho melhor, um cheiro”, diz.
‘Em 2004, em Araçuaí, 96,7% das crianças que tinham estudado até a 8ª série estavam numa situação chamada insuficiente. Criamos um pequeno exército de mães educadoras, agentes comunitárias de educação, que tinham que usar o que sabiam para salvar do analfabetismo cada criança. Então, uma senhora falou: ‘A única coisa que eu sei fazer é biscoito. Os meninos podem aprender fazendo isso?’ E eu falei: ‘Podem, aprendem fácil’. Na hora em que eu estava terminando a conversa, eu lembrei de perguntar o nome e ela disse: ‘O nome é biscoito escrevido’ e eu respondi: ‘Se o nome já é esse, a gente pode escrever qualquer coisa’”, conta Tião.
A aula de biscoito “escrevido” faz sucesso. A mãe educadora prepara a massa, que fica logo pronta. Depois, o trabalho é com a criançada. Com a massa, cada um pode escrever o que quiser: uma letra, um número, o próprio nome.
“A gente escreve com o biscoito e a letra da gente vai ficando mais bonita”, conta Angélica Moreira Câmara, de dez anos.
Angélica leva a forma para o forno, de onde não param de sair nomes e letras.
“Criança que não sabia nem o alfabeto aprendeu facinho. Eles ficam alegres de fazer através do biscoito que eles vão comer. Eles aprendem e dá para sentir que vai encher a barriguinha também”, diz a voluntária Hilda Aparecida Soares Nunes.
A barriguinha, pelo jeito, enche bastante. Luana já comeu quase todo o nome dela.
“Estão faltando as letras L, N e A. O L era o que estava mais gostoso”, diz.
A alegria que se vê no rosto das crianças é espelho do entusiasmo das mães cuidadoras. Mulheres da comunidade que ao abrirem espaço nas suas vidas pra ajudar na formação das crianças acabaram virando mães de todos, mães coletivas.
Uma das mães conversa com as crianças: “Quem gostou da historinha? Qual o nome da bezerrinha?” Essa é a roda da contação de histórias. Faz parte do projeto Sementinha, no qual se trabalha com as crianças de quatro a seis anos.
“A melhor coisa que tem é trabalhar com crianças. A gente chega em casa em paz, com a consciência mais leve. É muito bom”, diz Virlene Gomes Coelho.
“Eu tenho uma alegria danada. Eu sinto falta, porque minha mãe não contava e agora eu posso pegar um livro, sei ler, graças a Deus, e posso contar para as crianças e para os meus filhos. Eu tenho quatro filhos”, diz Valdenice Maria Alves.
A capacidade de leitura de Valdenice não ficou só para ela e seus filhos. É assim que funciona, as sabedorias individuais são valorizadas e repassadas pra comunidade.
A moradora de uma casa verde faz biofertilizante. Na casa branca, tem uma especialista em xarope para tosse e a dona de outra casa faz uma ótima farinha láctea, mas nenhuma delas sequer conhecia o talento uma da outra. É por isso que foram criadas as oficinas comunitárias, para a troca de experiências.
Na aula de sabão caseiro, as mulheres se divertem enquanto aprendem. “A gente economiza, usa as ervas que encontramos no quintal, não compramos nada”, conta uma delas.
Bastou um impulso, uma regra para as ideias florescerem. No sertão é assim.
Durante oito, nove meses no ano, a vegetação fica assim: das árvores resta apenas o esqueleto e parece até que está tudo morto. Porém, nas primeiras chuvas, tudo vai voltar a ficar verde.
Enquanto isso não acontece, é o cinza que domina a paisagem. O verde fica só nas margens dos rios. Na beira do Jequitinhonha, Tião se refresca e fala sobre o projeto Caminho das Águas.
“Nós tínhamos o projeto de construir uma cidade educativa. Aí pensamos mais amplo: vamos construir uma cidade sustentável. Nós queríamos fazer o caminho das águas, não perder uma gota de água. Recuperar as nascentes, os rios, cuidar das matas ciliares e, também, captar o máximo que pudéssemos da água da chuva”, conta Tião.
Então, fomos ao encontro das águas do vale. Na comunidade Alfredo Graça fica o rio Gravatá. De um lado, um grupo planta mudas para recuperar a mata ciliar, do outro, sítios com a cerca quase dentro da água, aproveitando a terra ao máximo.
“As pessoas precisam acreditar que algumas atitudes, junto com as queimadas, estão prejudicando essa água que garante a sobrevivência delas. A gente está aqui para contribuir com essa comunidade, para que esse rio não seque”, diz Eliane Oliveira, coordenadora do projeto Araçuaí Sustentável. Hoje, ela acompanha o grupo em mais um trabalho.
Unidas, as pessoas compraram uma terrinha e, agora, fazem no morro valas de infiltração, terraços construídos em curvas de nível para retenção de água da chuva.
“Eles nunca tinham ouvido falar nisso e acharam que a gente era um bando de loucos, de vir para o morro, que para eles era uma terra morta. Depois, a gente fez a primeira experiência. Fizemos os canais e na hora que deu a primeira chuva, verteu aquela água. Quando eles viram aquela água, viram que isso é possível de dar certo”, conta Eliane.
Hoje, as valas já estão todas prontas e o pessoal coloca matéria orgânica.
“São 21 famílias, cada uma vai ocupar uma vala e cada uma sabe o que vai plantar em cada vala”, diz a agricultora Maria Emília Alves.
O agricultor Ronaldo de Souza, 32 anos, já saiu do Jequitinhonha muitas vezes pra tentar a vida fora. Foi sozinho, deixando pra trás a mulher, com quem teve quatro filhos. No corte da cana, ganhou uma cicatriz profunda.
“Quando as duas meninas nasceram, eu não estava aqui. Eu cheguei, fiquei quatro meses e voltei para o corte de cana. Quando eu voltei, eu falei que era o pai dela, ela correu de mim, porque não me reconheceu. Então, isso para mim eu nunca esqueci. Eu nunca falei isso pra ninguém”, conta.
As crianças hoje estão maiorzinhas. Natanael tem nove anos, Ismael, seis, Carolina, quatro, e Karine, três. Ronaldo se agarra na esperança de mudança e na filha que o faz querer mudar."
( Reportagem tirada do Globo Rural de 11 de outubro de 2009 )
Nossas crianças.
Como estamos cuidando de nossas crianças?
“O Unicef denuncia que, a cada ano, pelo menos um milhão de menores (três mil ao dia) são introduzido no mercado do sexo, mas alguns pesquisadores acreditam que o número deva ser quatro vezes maior porque ainda não existem dados estatísticos totalmente confiáveis.
Cerca de 6 milhões de crianças morrem a cada ano pela fraqueza de seu sistema imunológico causada por fome e desnutrição, o que as torna incapazes de superar doenças infecciosas curáveis, como diarréia, sarampo e malária. 63% das crianças dos meios rurais em Moçambique vivem em pobreza extrema; e 34% das famílias não conseguem garantir uma alimentação estável e enfrentam fome permanente.
A UNICEF estima que existem 158 milhões de crianças menores de 15 anos vítimas de trabalho infantil em todo o mundo e que mais de 100 milhões, quase 70 por cento da população laboral infantil, trabalham na agricultura em áreas rurais onde o acesso à escola e ao material educativo é muito limitado.
Em pleno século 21, o Brasil ainda tem 680 mil crianças que não freqüentam a escola. NO BRASIL, 11,5% das crianças de oito e nove anos são analfabetas, segundo o IBGE. O percentual supera a média nacional entre adultos, de 10%. No Nordeste, o índice infantil vai a 23%. No Maranhão atinge o pico nacional: 38%.
Estima-se que, só no Brasil, 18 mil crianças são vítimas de espancamento e uma a cada minuto de algum tipo de violência: emocional, física ou sexual. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam para uma taxa de 53 mil crianças mortas todos os anos por homicídio no mundo.
Os acidentes, ou lesões não-intencionais, representam a principal causa de morte de crianças de 1 a 14 anos no Brasil. No total, cerca de 6 mil crianças até 14 anos morrem e 140 mil são hospitalizadas anualmente segundo dados do Ministério da Saúde, configurando-se como uma séria questão de saúde pública.
A AIDS deixou órfãs 15 milhões de crianças; Mais de 500 mil crianças nasceram com o HIV, o vírus causador da Aids, no ano passado. Entre elas, cerca de 20 mil crianças brasileiras. Centenas de milhares de crianças nascem com HIV todos os anos, quando isso é algo que pode ser evitado, e muitos deles morrem no primeiro dia de nascidos.”
( Dados tirados do site agência para promoção da inclusão )
Cabem a nós pais e às escolas defendermos o direito das crianças à vida e a terem uma infância feliz e protegida, já que tudo conspira para todas estas tragédias com as nossas crianças.
“Se deixarmos de fazer o que precisamos para proteger uma criança, que diferença terá daqueles que as violentam?” (Jefferson Drezett).
“O Unicef denuncia que, a cada ano, pelo menos um milhão de menores (três mil ao dia) são introduzido no mercado do sexo, mas alguns pesquisadores acreditam que o número deva ser quatro vezes maior porque ainda não existem dados estatísticos totalmente confiáveis.
Cerca de 6 milhões de crianças morrem a cada ano pela fraqueza de seu sistema imunológico causada por fome e desnutrição, o que as torna incapazes de superar doenças infecciosas curáveis, como diarréia, sarampo e malária. 63% das crianças dos meios rurais em Moçambique vivem em pobreza extrema; e 34% das famílias não conseguem garantir uma alimentação estável e enfrentam fome permanente.
A UNICEF estima que existem 158 milhões de crianças menores de 15 anos vítimas de trabalho infantil em todo o mundo e que mais de 100 milhões, quase 70 por cento da população laboral infantil, trabalham na agricultura em áreas rurais onde o acesso à escola e ao material educativo é muito limitado.
Em pleno século 21, o Brasil ainda tem 680 mil crianças que não freqüentam a escola. NO BRASIL, 11,5% das crianças de oito e nove anos são analfabetas, segundo o IBGE. O percentual supera a média nacional entre adultos, de 10%. No Nordeste, o índice infantil vai a 23%. No Maranhão atinge o pico nacional: 38%.
Estima-se que, só no Brasil, 18 mil crianças são vítimas de espancamento e uma a cada minuto de algum tipo de violência: emocional, física ou sexual. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam para uma taxa de 53 mil crianças mortas todos os anos por homicídio no mundo.
Os acidentes, ou lesões não-intencionais, representam a principal causa de morte de crianças de 1 a 14 anos no Brasil. No total, cerca de 6 mil crianças até 14 anos morrem e 140 mil são hospitalizadas anualmente segundo dados do Ministério da Saúde, configurando-se como uma séria questão de saúde pública.
A AIDS deixou órfãs 15 milhões de crianças; Mais de 500 mil crianças nasceram com o HIV, o vírus causador da Aids, no ano passado. Entre elas, cerca de 20 mil crianças brasileiras. Centenas de milhares de crianças nascem com HIV todos os anos, quando isso é algo que pode ser evitado, e muitos deles morrem no primeiro dia de nascidos.”
( Dados tirados do site agência para promoção da inclusão )
Cabem a nós pais e às escolas defendermos o direito das crianças à vida e a terem uma infância feliz e protegida, já que tudo conspira para todas estas tragédias com as nossas crianças.
“Se deixarmos de fazer o que precisamos para proteger uma criança, que diferença terá daqueles que as violentam?” (Jefferson Drezett).
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