10 de dez. de 2009

Educação Inclusiva... Um pleonasmo???

Entrevista exclusiva ao Jornal da AME com a Doutora Eugênia Augusta Fávero. Procuradora da República desde 1997 é mãe de dois filhos: Gabriela, de 10 anos, e o Vinícius, de 6, que possui síndrome de Down. Árdua defensora dos direitos e inclusão social das pessoas com necessidades especiais é autora do livro "Direitos das Pessoas com Deficiência: garantia de igualdade na diversidade".

AME - Fale um pouco sobre sua formação acadêmica e por que optou por ser procuradora?
Dra. Eugênia Fávero - Sempre estudei em escolas públicas, no interior de Minas Gerais, até o 2º grau. Não pensava em fazer Direito e muito menos em ser procuradora. Na verdade, eu queria cursar análise de sistemas, de preferência numa faculdade também pública. Mas não passei no almejado vestibular e, aos 17 anos, acabei optando por uma faculdade mais próxima de minha cidade, Guaranésia (MG), ainda que particular, pois havia arrumado o meu primeiro emprego. Escolhi o curso de Direito, confesso que foi porque não vislumbrei, naquela ocasião, melhor opção. Nunca cursei grandes escolas, tudo o que obtive foi sempre com muito esforço, mas nada diferente do que qualquer pessoa pode alcançar. Cursei até o 3º ano, sem o menor entusiasmo, quando comecei a trabalhar no fórum daquela cidade, por ter sido aprovada em um concurso público para escrevente. Passei, então, a ter contato com os processos e, a partir daí, me apaixonei pelo Direito e fiquei decidida a atuar na área jurídica, mas como advogada, pois sempre gostei de desafios. Após um período como escrevente, advoguei nas cidades de Campinas e, depois que me casei, em São Paulo, sempre na área cível. Em 1996, prestei o meu primeiro concurso para a carreira de procuradora da República e obtive aprovação. Eu não fazia idéia da beleza dessa carreira e o quanto eu me realizaria nela. Agradeço a Deus todos os dias por ter me levado por caminhos que me fizeram procuradora. É uma carreira que oferece, e como, os tão sonhados desafios...

AME - Quando escolheu ser procuradora, tinha em mente atuar na área da inclusão?
Dra. Eugênia - Inicialmente, não, pois só fui conhecer melhor a carreira após ter tomado posse. Mas, logo que isso aconteceu, a área que mais me conquistou, já em 1997, foi a relativa à cidadania, que trata, entre outros temas, de direitos das pessoas com deficiência. Só pude atuar efetivamente nessa área no ano 2000. Eu havia feito essa opção por escrito no início do ano de 1999, quando estava prestes a entrar em licença-maternidade, para ter o meu segundo filho, momento em que eu ainda não sabia que minha vida pessoal iria se cruzar com a referida escolha profissional.

AME - Como é a relação com seus filhos?
Dra. Eugênia - Acho que nossa relação é muito boa, apesar de eu me ausentar muito em razão de compromissos profissionais. Acredito que eles entendem essas ausências, pois também valorizam o que faço. Eu os deixo participar o tempo todo, redijo muita coisa em casa e, assim, creio que não sentem a falta de uma mãe presente fisicamente em tempo integral.

AME - Como define o momento em que soube que seu filho possuía deficiência? Como se sentiu a respeito daquele presente e do futuro à sua frente?
Dra. Eugênia - É muito difícil definir. Primeiro, foi como se a notícia não fosse comigo, ou que eles ainda iriam dizer que havia sido um engano e que aquele bebê lindo não tinha absolutamente nada. Aos poucos fui conseguindo entender o que estava acontecendo. Houve, sim, nas primeiras semanas, momentos em que chorei muito, mas tive a orientação de bons profissionais, muito apoio dos amigos e da família, o que me ajudou demais. Mas o fator fundamental foi ver que quanto mais eu conversava e interagia com o Vinícius, mais ele respondia positivamente, o que me enchia de confiança em relação ao futuro. Um momento crucial foi quando ele precisou ser operado às pressas, do coração, aos dois meses e meio. Quando foi levado pelos médicos e eu percebi que ele estava correndo sério risco de vida, lembro que tive um único pensamento: disse a Deus que o queria vivo e que todas as implicações da Síndrome de Down não importavam mais. A cirurgia foi muito bem sucedida e, quando saímos do hospital, eu senti que ele havia nascido outra vez e que eu estava saindo da maternidade, felicíssima, com meu bebê.

AME - Antes de seu filho, havia tido contato anterior com pessoas com deficiência?
Dra. Eugênia - Os principais contatos que tive foram na minha infância, com duas amigas com deficiência mental, com quem eu às vezes brincava. Uma delas porque éramos praticamente vizinhas na zona rural, e a outra porque nossos pais eram muito amigos e tínhamos a mesma idade. Esta última faleceu quando tinha em torno de 22 anos, o que eu senti muito. Tenho também uma prima com deficiência múltipla, mas leve. Nossos encontros ocorriam apenas em férias, por ocasião de visitas familiares. Assim, não posso dizer que não tive contato, mas hoje percebo que foram muito esporádicos. Não proporcionaram a mesma vivência que eu teria se tivessem ocorrido num ambiente escolar.

AME - A senhora é muito querida e admirada por sua defesa da inclusão escolar. Essa defesa tem gerado reações adversas ou a aceitação é geral?
Dra. Eugênia - Surpreendentemente essa defesa tem gerado reações adversas por parte de alguns órgãos e pessoas já ligados à causa da deficiência, mas são opiniões isoladas e, a maioria delas, baseadas em informações distorcidas. Quando temos a oportunidade de conversar e de explicar, percebemos que as resistências reais são bem localizadas e motivadas por fatores externos à questão da inclusão educacional.

AME - Por que o conceito de inclusão não é entendido de maneira uniforme por todos?
Dra. Eugênia - Eu penso que é porque se trata de algo muito novo e a resistência a novas idéias, novas concepções, principalmente no âmbito educacional, é muito comum.

AME - O que a senhora considera efetivamente como educação inclusiva?
Dra. Eugênia - Considero que esse termo é um pleonasmo, pois, com base na Constituição brasileira, é possível concluir que, se o ambiente escolar não for inclusivo, ou seja, se não atender a todos os alunos sem exclusões e restrições, não estamos falando de educação. Para tanto, basta o seguinte: que a escola comum esteja aberta a todas as matrículas, podendo dar preferência a pessoas residentes naquela região, ou outro critério objetivo; que não concentre as chamadas “necessidades especiais” em uma única sala de aula; que adote práticas de ensino democráticas e abertas à diversidade intelectual existente entre os alunos de uma mesma sala de aula; que o prédio esteja adaptado arquitetonicamente; que os responsáveis pela escola saibam onde dirigir-se caso necessitem de algum apoio especializado relacionado ou não à educação especial; que a educação especial tenha conteúdo realmente específico e seja ofertado de preferência na mesma escola, ou por uma escola especializada, de forma complementar, mas não impeditiva, do acesso à sala de aula comum.

AME - Como é hoje a educação e o desenvolvimento de seu filho?
Dra. Eugênia - Meu filho freqüenta escolas comuns desde os dois anos de idade, e faz as terapias e exercícios específicos desde que nasceu. Seu desenvolvimento motor e cognitivo está excelente. Para mim ele está “dez”, como ele mesmo diz, quando gosta de alguma coisa.

AME - Que tipo de educação a senhora espera que seu filho receba ao longo de sua formação e qual tipo de sociedade a senhora gostaria que o aguardasse na idade adulta?
Dra. Eugênia - Quero que o Vinícius e a Gabriela tenham uma formação, acima de tudo, humana e emancipadora. Uma sociedade onde ele encontre amigos, em que ele se sinta acolhido, feliz e que saiba lidar com as adversidades porque elas fazem parte da vida. Acho que esse é o desejo de todos os pais em relação a todos os filhos.

AME - O que a sociedade pode fazer para contribuir para a inclusão das pessoas com deficiência em geral?
Dra. Eugênia - Creio que é sendo mais sensível, em todos os campos: no trabalho, na escola, no lazer, etc. Porém, “sensível” não é no sentido de ser “bonzinho”, mas no sentido de reconhecer em todas as pessoas, mesmo que tenham limitações (quem não as tem?), a titularidade do direito de ser cidadão e de estar nos espaços em geral.
AME - Poderia deixar um recado especial aos nossos leitores?

Dra. Eugênia - Posso deixar o mesmo recado que fiz constar na introdução do meu livro, e é dirigido principalmente aos pais de pessoas com deficiência: “os filhos, não são os nossos filhos, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E, embora vivam convosco, não vos pertencem” (Khalil Gibran). Neste mesmo poema, os filhos são comparados a flechas, os pais a arcos e o arqueiro é Deus. Nosso papel é sermos firmes, seguros e resistentes, como bons arcos devem ser, para que as flechas atinjam seus alvos, sejam eles quais forem, pois o Arqueiro sabe o que faz.

0 comentários:

Postar um comentário