5 de jul. de 2009

Quero ser "apenas" uma mãe

"Quero ser "apenas" uma mãe

Ontem um amigo me contou que estava em um ônibus, aqui em São Paulo, quando assistiu à seguinte cena: uma mãe ao lado do seu filho jovem com paralisia cerebral fez sinal para o veículo parar. Pegou o filho pelo braço e foi arrastando o rapaz pelo corredor até a saída, enquanto gritava para alguns passageiros: "O que estão olhando?" Segundo esse meu amigo, a mulher era a própria Megera encarnada.

E eu me vi nessa mulher, daqui a alguns poucos anos, caso eu não tivesse acesso às informações que tenho e não tomasse as atitudes que venho tomando para prevenir esse colapso emocional/existencial.

Li hoje o texto que dona Maria Amélia escreveu protestando contra a nomeação de uma médica para encabeçar a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Neste texto ela narra com muita apropriação (afinal ela faz parte dessa história) como foi difícil a transição entre o modelo médico de inclusão e o modelo que eu chamaria de parental. Quando setores representativos da sociedade passaram a dar voz aos pais das pessoas com deficiência. O que já foi um avanço.

Enquanto lia, lembrei de várias situações acontecidas comigo, como mãe, e dessa história que meu amigo me contara.

Lembrei de quantas vezes, em vez de ser a mãe da minha filha, fui sua terapeuta. Em vez de ser a mãe da minha filha, fui sua pedagoga. Em vez de ser a mãe da minha filha, fui sua assessora de comunicação. Em vez de ser mãe da minha filha, fui sua advogada.

E eu só queria ser mãe. Amar a minha filha, brincar com ela e ver quem ela é, antes de olhar para a deficiência.

E todos me diziam o quanto eu era "especial", o quanto eu era "lutadora", o quanto eu era "guerreira", "heroína" etc.

E eu só queria ser mãe.

Essa megera do ônibus. Ela só quer ser mãe. Mas como ser "apenas" uma mãe num ônibus sem acessibilidade (elevador para cadeira de rodas, no caso), lotado de cidadãos que desconhecem (por falta de educação e informação) que aquele rapaz com deficiência também é um cidadão. Que deficiência não é coitadice. É apenas mais um estilo de vida. Circunstancial, mas um estilo. Que pode ser tão digno e feliz como qualquer outro.

Como essa mulher pode ser "apenas" uma mãe se esse menino provavelmente vive segregado em uma "escola" que dizem ser "especial" (se não está confinado em casa, por tantas dificuldades). Enquanto todos os garotos da sua geração vivem a vida aqui do lado de fora.

Então eu gostaria de me juntar ao protesto de dona Maria Amélia, do Fábio Adiron e de muitos outros pais que lutam pela inclusão e pelos direitos dos seus filhos com deficiência. Apenas quero acrescentar que desejo um país que encare a deficiência não como um problema médico, com certeza, mas muito menos como um problema parental.

Deficiência é assunto de todos, para todos. Uma questão social (e isso inclui, além de todas as esferas do poder público e privado, organizações não governamentais e sociedade civil, a participação, é óbvio, das próprias pessoas com deficiência).

No livro "Por que Heloísa?" que escrevi, com base na história da minha filha, Luísa, há o seguinte parágrafo:

"Puxa, se os médicos salvaram nossa filha, por que a cidade não está preparada para recebê-la? Afinal, Heloísa tem os mesmos direitos de qualquer outra criança, não é? Brincar, estudar, passear… Não adianta só salvar."

Então, vamos agora evoluir do modelo parental para o modelo social. Voltar para o modelo médico, nem pensar, governador!"

Cristiana Soares, autora do livro "Por que Heloísa?"

Ao ler este texto, senti uma paz inexplicável em saber que existem pessoas, como esta mãe, capazes de lutar pelos direitos, não apenas de seus filhos, mas de todas as crianças com necessidades especiais. Exercem com dignidade, a verdadeira cidadania, exemplo pra todos nós.
Eu, em meio a tantas dúvidas sobre educação inclusiva, aprendi muito com este depoimento.
Sei que estou no começo de uma caminhada e tenho muito que aprender, mas já me sinto realizada pela oportunidade de ter acesso a este aprendizado tão importante para mim.

1 comentários:

ftvale disse...

Nos dias de hoje, o relato de Cristina Soares é como um espelho da mentalidade sedimentada ao longo dos anos na sociedade, e ao mesmo tempo, um reflexo para perspectivas futuras, no sentido de que não é necessário ter algum portador de necessidades especiais próximo a você, para entender, respeitar, e colaborar com o processo de inclusão social. Parabéns a vocês duas por ajudarem a divulgar a necessidade de participação nesse processo social.

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